Boletim – Outubro de 2021 Nr 2

Por
Dentro Boletim

BOLETIM VIRTUAL DO INSTITUTO WILFRED BION
Edição de Outubro de 2021 – Número 02

 

Sumário:

  • EDITORIAL
  • DIRETORIA
  • PALAVRA DA PRESIDENTE
  • 1_TRANSFORMAÇÕES
  • 2_APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA
  • 3_PROCESSO DE PENSAR
  • 4_MEMÓRIAS DO FUTURO

 

__________________________________


EDITORIAL

 Gisele Pereira, Psicóloga, Cursando, Formação Integrada em Psicoterapia Psicanalítica e  Editora do Boletim.

É com grande entusiasmo que apresentamos a edição de número dois do Boletim Cesura. Neste espaço virtual, procuramos abrir para os leitores, as portas do Bion e demonstrar muito do que compõem sua configuração institucional. Através dos eixos temáticos distribuídos no corpo deste periódico, cujos subtítulos foram inspirados nos conceitos do psicanalista Wilfred Bion, vocês poderão conhecer alguns dos profissionais que estão à frente da organização dos departamentos e, também, saber sobre as atividades de formação, grupos de estudos, cursos, publicações de livros, encontros e palestras.

As palavras dos diretores de departamentos foram incluídas na parte denominada Transformações. Na seção Aprendendo com a Experiência, encontram-se depoimentos de vivências pessoais de percurso no Instituto Bion. Já no Processo de Pensar, recebemos alegremente a generosa contribuição de psicanalistas e psicólogos convidados para publicarem seus artigos conosco, oferecendo-lhes um espaço de liberdade na escolha do tema, primando pelo exercício da implicação espontânea e a expressão do desejo genuíno de escrita de cada autor. Na última seção temos Memórias do Futuro, onde estão listadas as atividades realizadas no primeiro semestre de 2021, como forma de registrar e historicizar os encontros transformadores e afetivos que tivemos.

Empreendemos no Boletim, a tarefa de reunir o que consideramos ser o escopo de atuação do Instituo Bion, que incessantemente engaja-se na transmissão de uma psicanálise plural, consistente em suas bases e receptiva a fundação do novo, inaugural e inventado. Revitalizamo-nos no diálogo profícuo e respeitoso com pensadores que são porta-vozes de diferentes áreas do saber e que generosamente partilham conosco suas produções intelectuais. A exemplo disto, são os parceiros psicanalistas latino-americanos, que movimentam as ideias e iluminam com brilho particular as formas de pensar a psicanálise contemporânea. Assim, o IW Bion vem transcendendo tempo e espaço, alcançando expectadores, alunos, psicanalistas e especialistas de vários locais geográficos, fortalecendo seus propósitos de expandir as fronteiras da psicanálise, avançar em direção a novos interessados em aprender, repassando seus ensinamentos e se enriquecendo simbolicamente através dos debates, estudos e dos laços sociais constituídos. Assim, no contato com o outro, somos tocados intimamente pelas experiências emocionais reverberadas em cada um de nós.

Agradecemos os colegas que acolheram com grande disponibilidade o convite de publicarem suas reflexões nesta edição, que é obra resultante do empenho da comissão de Biblioteca e Publicação, formada por Gisele Pereira, Márcia Abitante, Maria Luiza Calcagnotto, Rafael Braz, Roberta Lopes e Valdireni Florêncio. E para aquecer a apreciação da leitura, oferecemos um trecho ou facho de luz do poeta Thiago de Mello, do poema Como um rio (1984):

 

Como um rio, que nasce
de outros, sabe seguir
junto com outros sendo
e noutros se prolongando
e construir o encontro
com as águas grandes
do oceano sem fim.

Mudar em movimento,
mas sem deixar de ser
o mesmo ser que muda.

                                                                                           

Boa leitura a todos!

 

Gisele Pereira – Editora
Marcia Abitante
Maria Luiza Calcagnotto – Diretora do Departamento de Biblioteca e Publicações
Rafael Braz
Roberta Lopes Rodrigues
Valdireni Florêncio

 

__________________________________


DIRETORIA

MAGDA BARBIERI WALZ – Presidente e Diretora Administrativa

VANESSA BECKENKAMP LOPEZ – Diretora do Departamento de Ensino

MARIA CHRISTINA KUHN – Diretora do Departamento de Clínica

PATRÍCIA LAKS TRACHTENBERG – Diretora do Departamento Científico e Eventos

MARIA LUIZA TONIETTO PRATAVIERA CALCAGNOTTO – Diretora do Departamento de Biblioteca e Publicações

CLÁUDIA CARDOSO DOS SANTOS – Diretora do Departamento de Estágio e Relações com a Comunidade

MICHELLE DANTAS ZANINI – Secretaria do Conselho Consultivo

__________________________________


PALAVRA DA PRESIDENTE

Estamos em outubro de 2021. Vivendo e ainda aprendendo com o advento da pandemia em nosso planeta. Esse fenômeno trouxe muitas mudanças em nosso cotidiano e em nossa forma de viver. Nossas vidas foram impactadas com perdas. Filhos ficaram órfãos, empresas faliram, famílias adoeceram e muitos encontros não aconteceram.

Fomos forçados a alterar padrões de comportamentos. Fazemos coisas que antes pareciam impossíveis, inimagináveis ou inviáveis teoricamente. Como por exemplo exercer a clínica psicoterápica de forma on-line constante. A pandemia nos forçou a mudar em muitas coisas, muitas foram as perdas e muitos foram os ganhos de aprendizado em meio à turbulência. A partir deste cenário, acredito que somos privilegiados, por podermos seguir construindo e fazendo nosso caminho ao caminhar.

O IWBion soube enfrentar a turbulência e está em um momento de crescimento em todas as áreas, desde o Ambulatório, passando pela Escola bem como em nossos eventos on-line. Na clínica houve um aumento importante de procura de atendimentos, mesmo online, além de realizarmos novos convênios. Na escola, contamos com uma nova turma do curso integrado em psicoterapia psicanalítica, bem como uma nova turma de estagiários curiosos e muito identificados com o Instituto. E nos eventos online, tivemos sempre uma presença significativa em todos eles, com temas muito atuais, conferencistas nacionais e internacionais. E, em especial, o nosso curso online E-FORMAÇÃO, conta  com uma turma de 40 pessoas de todo o Brasil, os quais estarão conosco durante o ano todo, semanalmente.

Sim, o caminho se faz ao caminhar. A vida é um processo contínuo como é nossa formação para a prática desta bela profissão que exercemos.

Essa é a mensagem que gostaria de registar em nosso segundo Boletim CESURA. Parabenizar os colegas por essa edição e agradecer a todos que vem dando do seu tempo e conhecimento para a troca e o crescimento de cada um dos que circulam presencial e de forma online no Instituto Wilfred Bion. A vida é misteriosa e difícil, mas a arte de “manter-se vivo” é a capacidade que desejamos sempre de novo exercitar, para ir em busca dos nossos sonhos, fazendo o caminho ao caminhar.

Magda Barbieri Walz, Psicanalista, Fundadora, Presidente do IWBion e Membro do Instituto da SBP de PA

__________________________________


1_TRANSFORMAÇÕES

DEPARTAMENTO DE ENSINO

 

“De um lado, trata-se de que o analista compreenda seu paciente e se deixe tocar pela sua linguagem, e por outro lado, que ele se faça compreender por seu paciente e lhe toque através de suas palavras”. Quinodoz, 2003.

Encontro nas palavras de Quinodoz algumas reflexões que, como Diretora de Ensino, sempre me instigam. Como oferecer uma formação em Psicoterapia Psicanalítica em que o instrumento de trabalho primordial transpassa a relação terapêutica? De que maneira podemos oferecer, aos colegas em Formação, recursos para que estes possam lidar com seu trabalho de forma cada vez mais genuína e íntegra? As palavras podem ficar vazias se destituídas de afeto. E essa concepção se estende à dinâmica dos Seminários teóricos, às supervisões… enfim, aos encontros e desencontros possíveis ao longo da Formação. Por isso entendo que, na arte do fazer terapêutico, é preciso fomentar o encontro do belo e do intenso, do contraditório e do inexplicável, do inalcançável e do exposto. É preciso se permitir fazer uma viagem interna, que nos capacite a sentir, e assim realizarmos uma viagem em dupla, a partir da constituição de um vínculo que então se deixará tocar e nos tocará. Finalizo com uma frase de Abrão Slavutzky, que assegura: “Arte e psicanálise podem pouco numa guerra, mas iluminam a escuridão como vagalumes”.

 Vanessa Lopez, Psicóloga, Psicanalista, Diretora do Departamento de Ensino e Membro Efetivo do IWBion.

Referências:
Quinodoz, Danielle. Palavras que tocam. Texto traduzido para a Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, em setembro de 2003.
Slavutzky, Abrao. O país do medo. Texto publicado originalmente em sua página facebook, em 09/04/21

__________________________________

DEPARTAMENTO DE CLÍNICA

NOVOS TEMPOS

“Navegar é preciso. Viver não é preciso”. (Fernando Pessoa)

Em 2020 lidamos com o inesperado. O mundo se fechou, as casas se fecharam e as pessoas se isolaram.

O inimigo invisível ronda, surpreende, ataca.

A morte nunca havia sido tão declarada. O medo e a desconfiança assolaram a vida.

A rotina mudou, houve descobertas e surpresas, conviver 24h por dia em família, horas boas e horas difíceis. A necessidade de conciliar o inconciliável, trabalho, casa, filhos, no mesmo espaço e tempo.

O espaço ficou pequeno e o tempo ficou curto.

Novos tempos!

Um ano e meio depois ainda não há certezas, aos poucos se retoma os espaços, embora com dores e cicatrizes.

Há quem não possa seguir. O sofrimento precisa de um espaço onde as palavras se façam ouvir. Não há adiamento.

No meio da turbulência o atendimento on-line ganhou expressão e nossa clínica se reinventou, se adaptou.

Os atendimentos presenciais foram retomados. Seguimos em frente, empenhados em realizar da melhor maneira possível aquilo que nos propomos.

Em 2021, ainda são novos tempos!

Maria Christina Kuhn, Psicóloga, Diretora do Departamento de Clínica e Membro Efetivo do IWBion

__________________________________

DEPARTAMENTO CIENTÍFICO E EVENTOS

Em 2020, a Comissão do Departamento Científico foi desafiada com todas as mudanças impostas pelo distanciamento social. Foram muitas dúvidas e incertezas, sobretudo, foi um ano de ajustes e descobertas.

Agora, em 2021 já um pouco mais familiarizadas com todas as mudanças e abraçadas pelo ano anterior, que nos apresentou lindas surpresas, pudemos estar com nossa casa virtual repleta de pessoas de diferentes lugares, enriquecendo ainda mais nossas possibilidades de pensar a Psicanálise. Assim, seguimos nossos investimentos criativos na preparação de nossos eventos.

Pensando na atualidade, nossas tradicionais Reuniões Cientificas estão sendo organizadas em torno do calendário das datas que culturalmente marcam e simbolizam a passagem do tempo. Datas essas que nos convidam a celebrar e refletir sobre as complexas questões da condição humana.

E que tempos estamos vivendo, não é mesmo? Além disso, todos esses encontros estão tendo como plano de fundo a temática do Narcisismo.

Em nosso boletim anterior, mencionamos o fato de nos sentirmos como bebês explorando novos e desconhecidos contextos e esse ano, mais firmes em nossos passos, viemos experimentando momentos lindos e emocionantes também nos Encontros com Bion, Ciclos de Estudos, Seminários com Arnaldo Chuster e demais eventos de nossa grade.

Definitivamente, o Instituto Bion foi para o mundo, e lindamente expandiu seus horizontes. Como diz Oliver Wendell: “A mente de um homem expandida por uma nova ideia não consegue nunca voltar às suas dimensões originais”.

Que possamos seguir crescendo, nos reinventando e pensando a Psicanálise!

Patrícia Laks Trachtenberg, Psicóloga, Diretora do Departamento Científico e Membro Efetivo do IWBion

Equipe: Adriana Castoldi, Franciela Bocacina e Joyce Souza

__________________________________

DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA E PUBLICAÇÕES

Este ano o trabalho do Departamento de Biblioteca e Publicações, iniciou  2021 com o lançamento do Boletim do Instituto Bion, no formato virtual. O Boletim Cesura como foi chamado é o resultado de um trabalho de integração de todas as atividades do Instituto Bion.

O Boletim Cesura tem como objetivo a comunicação, as trocas, a atividade, podendo expressar ideias e emoções, assim como intenções e realizações. Ele se apresenta através de suas diferentes vozes e diversas nuances e ritmos.

O Boletim Virtual Cesura também nos permite dividir o que pensamos, de divulgar o que se faz, de estabelecer uma proximidade de ideias, que possibilite nos conduzir rumo ao saber e a divulgação do pensamento psicanalítico.

O Departamento de Biblioteca e Publicações também tem como atividade o Publica ação, projeto iniciado em 2019. Sendo um espaço para a valorização e propagação das criações literárias de diferentes áreas do saber.

O IWBion prestigia as obras e seus autores, que nos contemplam com suas belas narrativas e também pela beleza de seus escritos. Além da profundidade, sensibilidade e criatividade dos autores, primorosamente, vai nos encantando, absorvendo e capturando. Momentos estes, onde se celebra a beleza do encontro!

É importante registrar o trabalho de reestruturação da nossa biblioteca, que conta com a aquisição de novas estantes e do nosso acervo que foi ampliado com a doação de várias obras, pelos filhos do psicanalista José Luiz F. Petrucci “in  memoriam”.

Este trabalho técnico foi executado pela bibliotecária Ana Cristina Grieber, que realizou a classificação, catalogação e etiquetagem de 926 livros que agora, estão ordenados por assuntos (CDD) e dentro destes por autor.

A atualização do catálogo se encontra acessível on-line, através do Google Drive. Também foi feita a catalogação e geração de uma listagem com 65 títulos de periódicos, que estão ordenados alfabeticamente nas estantes.

O sentimento que nos envolve é de satisfação por  possibilitar o exercício da imaginação e de experienciarmos, além do que é conhecido. Lembrando que, “Bion constrói para a  psicanálise uma história da imaginação”.

O meu agradecimento à comissão – Gisele Pereira, Márcia Vargas Abitante, Rafael Braz, Roberta Lopes Rodrigues e Valdireni Florêncio, que seguem conjuntamente com suas ideias, sugestões e iniciativas para a realização de todas essas atividades. Agradeço também a Presidente e Diretora Administrativa  Magda Barbieri Walz, pelo apoio financeiro tão importante na viabilização da reestruturação da nossa Biblioteca.

Maria Luiza Tonietto Prataviera Calcagnotto, Psicóloga,  Diretora do Departamento de Biblioteca e Publicações  e Membro Efetivo do IWBion

Equipe:  Gisele Pereira, Márcia Abitante, Rafael Braz, Roberta Rodrigues e Valdireni Florêncio

Referências:

Chuster, Arnaldo. Novas leituras: dos modelos científicos aos princípios ético-estéticos, Companhia de Freud, Rio de Janeiro, 1999.

__________________________________

DEPARTAMENTO DE ESTÁGIO E RELAÇÕES COM A COMUNIDADE

Nossa equipe se despede de nossos estagiários Lucas Ramos, Jenypher Krische e Rudiram Messias.

Parabéns pela formatura e ficamos honrados com a entrada destes novos colegas em nossa Formação Integrada em Psicoterapia Psicanalítica.

Sejam bem-vindos os novos estagiários Beatriz Bueno Batz, João Pedro Demarchi, Olívia Denevi e Renata Mafalda a nossa equipe, agora com nove estagiários.

Que tenhamos um semestre de muito aprendizado e crescimento!

Cláudia Cardoso dos Santos, Psicóloga, Diretora do Departamento de Estágio e Relações com a Comunidade e Membro Efetivo do IWBion.

Equipe: Cícero Antunes, Cynthia Silva Antunes, Franciela Bocacina, Magda Barbieri Walz, Maria Luiza Calcagnotto, Michelle Zanine, Patricia Trachtenberg e Valdireni Florêncio

__________________________________

ESPAÇO DO ESTUDANTE DO INSTITUTO BION (EEIB)

O Espaço do estudante do Instituto Bion (EEIB), tem como objetivo proporcionar aos estagiários uma experiência de trocas e vivencias que possam contribuir para o seu desenvolvimento. Através da organização e realização de eventos, os alunos tem a possibilidade de ampliar o conhecimento sobre os temas de maior interesse. Alguns eventos já tem tradição, como a Jornada do estudante, o janelas para o mercado e o Café psicanalítico.

A Jornada do estudante, é uma atividade anual que tem como objetivo promover produções cientificas elaboradas por acadêmicos de psicologia.

O Janelas para o mercado, convida profissionais de referência, para falarem de suas trajetórias profissionais, compartilhando experiências ligadas a formação e atuação dentro da psicologia. Conhecer o caminho que estes profissionais trilharam, aproxima e abre a possibilidade de muitas perspectivas para os futuros profissionais.

O Café Psicanalítico, tem como objetivo aprofundar sobre os temas e as demandas da clínica. Este ano o Café Psicanalítico vem dando destaque aos desafios que chegaram com a pandemia, no primeiro semestre abordamos os atendimentos online de crianças, adolescentes e adultos. Com a impossibilidade de fazer os atendimentos presenciais, tivemos que nos adaptar e oferecer o atendimento online. Surgiram muitos questionamentos, seria possível estabelecer um vínculo online? Como brincar através das telas? E quanto ao “settinge a privacidade? Articulando teoria e pratica, os nossos convidados contribuíram muito para o fazer psicanalítico. As frutíferas trocas abriram novos questionamentos e assim seguimos ampliando a capacidade de pensar.

Agradeço aos estagiários, convidados e a todos que tornam o EEIB, um espaço criativo e de muitas aprendizagens.

Michelle Zanini, Psicóloga, Coordenadora do EEIB, Membro Efetivo do IWBion

__________________________________

NÚCLEO DE PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO DO INSTITUTO WILFRED BION

Tem por objetivo ser um espaço potente de reflexão, aproximação e interlocução da Psicanálise com a Educação. Tem como intenção instigar e construir em conjunto com os diferentes sujeitos que compõe o contexto escolar-educacional, narrativas que possam significar ou ressignificar suas demandas e inquietações.

O NUPE é um ambiente propício ao estudo, ensino, pesquisa, atividades de extensão, buscando através desses intercâmbios, edificar as muitas conexões existentes entre psicanálise e educação. Fomentando constantes questionamentos, abrindo fronteiras para que novas perspectivas teórico-práticas possam nascer e crescer.

Acreditamos que o contexto da Educação e da Psicanálise são ambientes muito vívidos e dinâmicos, e, portanto, em constantes transformações. Logo, nossa proposta é manter as mentes em estado de expansão para abranger toda complexidade dos processos.

Fundadoras e Coordenadoras do NUPE:

❖ Cynthia Antunes Psicóloga Clínica e Escolar Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica em crianças, adolescentes e adultos Membro Pleno do Instituto Wilfred Bion Pedagoga, Especialista em Atendimento Educacional Especializado

❖ Joyce Souza Psicóloga Clínica e Escolar Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica em crianças, adolescentes e adultos Membro Efetivo do Instituto Wilfred Bion Pós-Graduada em Psicologia Escolar e Educacional

❖ Michelle Zanini Psicóloga Clínica e Escolar Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica em crianças, adolescentes e adultos Membro Efetivo do Instituto Wilfred Bion

A quem se destina o NUPE do IWB?

  • Psicólogos e estudantes de psicologia
  • Profissionais e estudantes da área da Educação

Como é a prática do NUPE do IWB?

 Embasada na escuta-reflexão e na interlocução de conceitos da Psicanálise e Educação.

Alguns de nossos recursos:

  • Cursos
  • Grupos de Estudo
  • Consultoria de prática em Psicologia Escolar
  • Mapeamento de necessidades e intervenções escolares

 

Cyntia Antunes, Fundadora e Coodenadora do NUPE e Membro Pleno do IWBion

Joyce Souza, Fundadora e Coodenadora do NUPE e Membro Efetivo do IWBion

Michelle Zanini, Fundadora e Coordenadora do NUPE e Membro Efetivo do IWBion

__________________________________

2_APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA

Palavra: a vida é inefável e os percursos muitas vezes são tortuosos. De alguma forma, o meu caminho me trouxe até aqui para estudar psicanálise e realizar meu estágio clínico, após uma carreira já trilhada na área de comunicação e em passagens por empresas públicas e privadas. Aos 41 anos eu bati às portas do Instituto Wilfred Bion e fui atendido. Fui bem recebido e acolhido.

Senti-me acolhido desde o princípio, pois o clima do lugar e a postura das pessoas me mostravam que aqui se pode falar e perguntar e dividir o que se formulou. Campo fértil onde podemos criar juntos. E onde cada um floresce. Visões e opiniões divergentes podem coexistir e está tudo bem. Juntos, colhemos os bons frutos de poder sonhar a vida também pelos olhos do outro.

O instituto é uma casa que fica no Jardim Botânico. É um lar habitado. Mesmo quando as luzes estão desligadas, permanecem aqui as ideias e um pouco do que as pessoas deixaram em troca do muito que levaram com elas. Por aqui passam pessoas muito diferentes entre si, mas todas unidas em torno do amor pela psicanálise, nosso legado. Também é um local de trabalho e de estudos. Mas é um local de trabalho e de estudos onde é possível sentir-se em casa.

O Bion é um ponto de encontros. E quando falo de encontros, eu não uso essa palavra apenas de forma casual. Podemos pensar no encontro analítico, no encontro emocional entre duas pessoas na sala de atendimentos, no encontro de vértices distintos e na turbulência dos verdadeiros encontros – de onde podemos sair enriquecidos em nossa evolução, se nossa mente estiver aberta. A mente humana, como expressava Bion, é por si só um “universo em expansão”. Podemos pensar também no encontro genuíno e criativo com a psicanálise para além de dogmas e conceitos pré-estabelecidos, que aqui é sempre um encontro bem-vindo.

Tivemos muitos encontros, e dos bons. Nos preparamos para eles: antes dos seminários fizemos leituras; planejamos com dedicação os eventos do espaço do estudante, como o Café Psicanalítico, o Janelas para o Mercado e a Jornada do Estudante; tivemos a oportunidade de fazer observação do desenvolvimento infantil na Associação Beneficente Santa Zita de Lucca. Depois nos encontramos de novo para pensar e elaborar as vivências à luz da teoria. Criamos sentidos para nossas vivências e para as teorias. Ao longo desse processo pudemos entrar em contato com profissionais mais experientes, pudemos reviver com os pacientes suas angústias e alegrias e juntos pudemos criar e perceber novos sentidos para a experiência humana.

Se falo na primeira pessoa do plural é por um desejo de ecoar também a voz de meus colegas, dos profissionais que nos auxiliaram e coordenaram e supervisionaram, pois fui convidado a falar sobre minha experiência no Instituto. E essa experiência, nós a fizemos todos juntos. Isso porque nossos encontros foram muito verdadeiros. Levarei sempre comigo e com carinho não só as pessoas que conheci como também os entendimentos que conseguimos criar juntos.

Neste lugar, e nesta etapa de minha vida, vivi experiências inaugurais de grande importância e que são formadoras do jovem terapeuta que termina uma etapa de estágio e segue em formação continuada. Nesse momento, fecho ciclos com a conclusão de uma graduação em psicologia e o fim do estágio. Abro novas perspectivas com o início de uma carreira clínica e me preparo para uma formação em psicanálise, levando na bagagem uma série de vivências que passam a fazer parte de quem eu sou. Aqui, ampliei meus conhecimentos em psicanálise e melhorei minha capacidade de escuta. Encontrei novos sentidos e os juntei em uma direção, com a certeza de que a prática clínica é o caminho que devo trilhar.

Ao longo de meu percurso acadêmico e de meus dois anos de estágio, pude reafirmar a ideia de que ser terapeuta é mais do que uma profissão. É uma ética do cuidado, um apreço pelas relações, um estilo de vida. Poder passar por um processo terapêutico ou poder propiciar esse espaço a outras pessoas é algo de extrema delicadeza e sofisticação. E nós que aqui estamos temos o privilégio de nos dedicar ao que amamos.

Palavra: ainda busco os seus sentidos. Terapeutas e pacientes, artesãos que somos das palavras, buscando para cada coisa dentro de nós um nome. Levo comigo o olhar da criança que eu pude observar, a lágrima da emoção que vivenciamos juntos no consultório, a beleza da vida, que mesmo na tristeza é sublime. Levo tudo isso guardado na bagagem, buscando cada vez mais o aqui-e-agora, o instante-já. Com a escuta cada vez mais atenta e a compreensão cada vez mais lúcida.

E que a cada vez que tomemos a palavra, possamos fazer com ela algo de bom e proveitoso. Quem sabe oferecer com ela um alento.

Rudiran F. Messias, Psicólogo, cursando Formação Integrada em Psicoterapia Psicanalítica e Membro associado do Instituto WBion.

__________________________________


3_PROCESSO DE PENSAR

Artigo 1

Abrão Slavutzky, Médico, Psicanalista (Formação em Buenos Aires) e Escritor

 

SOLIDARIEDADE

Há muitos anos um estudante perguntou à antropóloga cultural Margaret Mead: “O que consideras o primeiro sinal de civilização em uma cultura?”. Mead disse que o primeiro sinal de civilização numa cultura antiga era um fêmur quebrado e cicatrizado. Ela explicou que no reino animal quebrar um osso da perna era morte certa. Porque não poderás mais correr para fugir do perigo, ir ao rio para beber água, ou caçar comida.

Animal com perna quebrada era carne fresca para os predadores. Um fêmur quebrado cicatrizado é prova de que alguém teve tempo de ficar com o homem caído, tratou sua ferida, o levou a um lugar seguro, cuidou até completar sua recuperação. Ajudar alguém durante a dificuldade é onde começa a civilização. Incrível como em revistas, jornais, na Filosofia ou na Psicanálise, a palavra solidariedade é quase ausente. Entretanto, uma calamidade mundial, como está sendo essa pandemia, vem desencadeando a responsabilidade mútua.

Solidariedade é uma palavra derivada do francês “solidaire”, cunhada no século XVIII – inteiro, sólido, firme. Expressa a qualidade de solidário, um sentimento de identificação com o sofrimento dos outros. É também uma responsabilidade recíproca, e ajuda as pessoas desamparadas. Creio que vivemos tempos nos quais se evidencia o quanto o excesso de individualização que se vive é perigoso. Recordo das três perguntas do sábio Hilel no Talmud: “Se eu não for por mim, quem será por mim?”. Óbvio que cada pessoa ao crescer precisa aprender a se cuidar, algo como ser seu próprio pai e sua própria mãe. E aí vem a segunda pergunta: “Se for apenas por mim, o que será de mim?”. Essa é a pergunta essencial da solidariedade, porque, cada vez mais, uns precisam dos outros hoje e amanhã. Solidariedade é o caminho, não há outro tratamento para nossa humanidade doente no seu individualismo. A terceira pergunta de Hilel é: “Se não for agora, quando?”.

É agora, nesses tempos de solidão real, não virtual, que cresce a importância da solidariedade.
Um dos caminhos da Psicanálise para se pensar a solidariedade é a dívida simbólica. Dívida da criança, que antes mesmo de nascer está sendo inscrita como sujeito no mundo simbólico da linguagem e da cultura. Toda pessoa é assim um antigo futuro sujeito: antigo pelo passado dos pais e gerações passadas e futuro porque há uma vida pela frente. Essa dívida simbólica só se paga, em parte, pelo que damos aos filhos ou aos demais. Dívida no sentido de ajudar ao outro, de contribuir com a comunidade, com a natureza, fazer o bem. Ser solidário é expressar a gratidão de viver, retribuir o que recebemos do intercurso com o mundo. Um mundo com graves desigualdades sociais, com alguns líderes egoístas, mesquinhos, narcisistas. São faces da humanidade que atacam a dívida simbólica, atacam vida, atacam a saúde da população.

O coronavírus, para ser combatido, requer isolamento de mãos dadas. Nessa verdadeira pausa da vida, há chances de olhar as flores, aumentar os amores, aliviar as dores cotidianas do isolamento. Tempo para nos humanizar. Angustiante está sendo a vida dos pobres, sempre os que mais sofrem. Vamos ter que aprender a solidariedade esquecida, praticada pelos imigrantes, quando o capitalismo era mais humano. O terror do neoliberalismo pode ser visto na série “Na Rota do Dinheiro Sujo”, série norte-americana sobre as milícias dos lucros a qualquer custo. O primeiro da série é a história do famoso banco norte-americano Wells Fargo, que mentiu em suas corrupções em busca de lucros bilionários. A direção do Banco mentia de forma deslavada, tanto como se faz hoje no Brasil.
Quanto a nós, vamos manter o norte, seguir à risca as orientações da medicina, pois chegarão dias melhores. Lembro o poeta Tiago de Mello: “Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar”. Precisamos viver o hoje e imaginar outro amanhã para o nosso país e para o mundo.

Artigo 2

Maria Denise T. F. Klein, psicanalista, membro Pleno no CEPdePA e Membro Pleno no IWBion

 

CATÁSTROFE, MUDANÇA CATASTRÓFICA: alguns pensamentos

Neste texto, a convite dos queridos Editores deste Boletim, me proponho a alinhavar algumas considerações que me parecem instigantes, especialmente pelo caráter excepcional deste momento, onde lidamos com vicissitudes (de toda ordem) de uma catástrofe advinda da natureza e seus mistérios.

Uma época desbordante, a exigir do nosso aparato mental o processamento de um excesso de estímulos, possivelmente ultrapassando nossa capacidade de ligar as excitações numa trama representacional.

O número de mortes, diuturnamente divulgado na mídia, parece remeter à dificuldade de dar qualidade ao que vem acontecendo, de lidar com o luto, com as perdas. E aí o luto pode desaguar em luta, cisões… em oposição à capacidade de integrar. Um jovem país às voltas com traumas não elaborados e que se ressignificam no momento presente.

Freud falava de quantidades que precisam tornar-se qualidades, saindo do puramente econômico, quantitativo, para aceder ao simbólico e contornar o aspecto traumático. Trauma, dor psíquica, hemorragia libidinal… Segundo Laplanche e Pontalis, o substantivo trauma, de etimologia grega e que remete a ferida, fala de um “afluxo de excitações que é excessivo, relativamente à tolerância do indivíduo e à sua capacidade de dominar e elaborar psiquicamente estas excitações”. ¹

Meg Harris, enteada de Donald Meltzer e editora na Harris Meltzer Trust, numa entrevista comenta que Bion falava: “existem dois tipos de catástrofes, […] o tipo estético, como o antigo drama grego, ou o tipo desastroso, como a guerra nuclear”. ²

De etimologia grega, a palavra katastrophé aponta para “acontecimento funesto e decisivo que na tragédia clássica provocava o desenlace da ação; […] mudança de fortuna para o bem ou para o mal”. ³  Zimerman (2012) escreve que “em inglês antigo, catastrophy significava uma evolução, uma mudança de um estado a outro, tal como sugere a palavra estrofe, que o coro do antigo teatro grego cantava como uma forma de anunciar a passagem da representação teatral para um novo cenário” (p. 77). 4  “A catástrofe é a estrofe do poema que faz os acontecimentos dramáticos se precipitarem em dor e sofrimento”. 5

Bion falava em mudança catastrófica. Conseguiremos transformar uma catástrofe em mudança catástrofica, no sentido ressaltado por Bion em 1966? 6  Transformar a fortuna, o destino íntimo destas catástrofes, destas vicissitudes diárias?

Mudança catastrófica é referida como algo produtor de uma mudança no indivíduo, transformação esta permeada de sofrimento e perturbadora da homeostase, mas que leva a um crescimento genuíno, se toleradas as condições adversas. “A mudança catastrófica abriga tres características, às quais Bion denomina: violência, invariância e subversão do sistema” segundo Zimerman (2001, p. 273). 7

Bléandonu (1993) ressalta que Bion “não concebia o funcionamento da mente humana sem a noção de ‘mudança catastrófica‘. Indo adiante da formulação de Melanie Klein sobre a posição depressiva, Bion faz dele as palavras de Keats acerca da capacidade negativa: “quando um homem consegue permanecer na incerteza, no mistério, na dúvida, sem se irritar de modo algum na procura de fatos ou razões”, para definir o ‘estado de paciência‘ (p. 216). 8

Tecendo conexões entre Freud e Bion, lanço mão do conceito de cesura (Bion, 1977). 9 Ponto de decisão, “onde se procura pensar aquilo que nunca foi pensado antes” (Zimerman, 2001), a cesura separa e une, é barreira e é ponte, passagem de um estado mental para outro.

A palavra já havia sido mencionada por Freud em 1926, na famosa frase “existe muito mais continuidade entre a vida intra-uterina e a primeira infância do que a impressionante cesura do nascimento nos faz crer”. 10 A respeito do artigo de Bion, Bléandonu comenta que “as últimas linhas da Cesura exortam o leitor a ver as ligações entre o que se encontra de um lado e de outro do corte aparente” (grifo meu), fugindo das dualidades tão convidativas quanto redutoras da complexidade do nosso psiquismo: bom/mau, parte psicótica/parte não-psicótica, sonho/vigília, sanidade/loucura. Bion sugere investigar o vínculo, a sinapse, a cesura.

Se a parte psicótica da personalidade e a parte não-psicótica (Bion, 1957) não ‘dialogam’, exigirão da mente manter uma separação/cisão entre estados mentais que não se faz ponte, não se faz ligação…  produzindo uma espécie de ‘estrabismo psiquico’, onde a visão forma duas imagens que não se integram. Cisão ao invés de cesura?… sem a possibilidade de diferentes estados mentais convivendo num entramado mental.

Ogden, em Os sujeitos da Psicanálise, fala da dialética de dispersão e unidade representada pela notação de Bion PS <-> D, num constante oscilar entre a segurança adquirida e o abrir-se para novas possibilidades de pensar.

E cita o Bion de 1967 (no artigo Sobre Arrogância): “na ausência da pressão desintegradora do pólo esquizo-paranóide da dialética geradora de experiência, a integração associada à posição depressiva chegaria ao fechamento, à estagnação e à ‘arrogância’ “. 11

A cristalização (ou ‘coagulação’) num pólo implica no cessamento da possibilidade de pensar. Será que padecemos desta dificuldade hoje, em nosso país? Cristalizados em pensamentos ‘seguros’, imutáveis?

A capacidade de pensar, de simbolizar, está amparada na constituição de um aparelho para pensar pensamentos. A mãe e sua função de rêverie  vai auxiliando o bebê a ‘digerir’ e transformar as experiências emocionais, os elementos sensoriais. Este ‘estado de ensonhamento’, propiciado pela mãe e sua função alfa,  ajuda o bebê a dotar de sentido aquilo que é por ele sentido, a ‘sonhar’. O desenvolvimento da função alfa vai promovendo as primitivas dissociações em cesura, em vínculos que se articulam, permitindo passagens de um lado e de outro do corte.

Sonhar é pensar, ir para dentro de nós, transitar por um mundo interno. A mãe, acolhendo as identificações projetivas do bebê e transformando-as, pode devolvê-las como ‘sonho’ e capacidade de sonhar, metabolizando a realidade interna e externa, seus excessos, suas quantidades. A resultante destes infinitos processos vida afora se traduz em matéria-prima para o simbólico, para o sonhar e o criar. Transcender o vivido, o traumático, no desafio de transformar cisões em cesuras, catástrofe em mudança catastrófica, talvez.

Na realidade desafiadora que vivemos, o mais fácil parece ser dividir, ao invés de buscar e sustentar a integração, as responsabilidades e o necessário luto que advém deste processo.

Fico por aqui, esperando/sonhando que estas ideias possam suscitar novas aberturas, novos pensamentos!

______________

¹ LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J-B. (1985).  Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.

² Entrevista: Meg Harris Williams. J. psicanal.,  São Paulo ,  v. 48, n. 89, p. 17-31, dez.  2015 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352015000200002&lng=pt&nrm=iso>. acesso em  26  jul.  2021.

³ Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2009.

4 ZIMERMAN, D. (2012). Etimologia de Termos Psicanalíticos. Porto Alegre: Artmed.

5 www.dicionarioetimologico.com.br  acesso em 26 jul. 2021.

6 BION, W.R. (1966). Mudança Catastrófica. Jornal de Psicanálise, 6(17), 18-26, 1971.

7 ZIMERMAN, D. (2001). Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed.

BLÉANDONU, G. (1993). Wilfred R. Bion – A Vida e a Obra 1897-1979. Rio de Janeiro: Imago.

9 BION, W. R. (1977). Cesura. Revista Brasileira de Psicanalise. São Paulo: Associação Brasileira de Psicanalise, v.15, n.2, 1981.

10 FREUD, S. (1926). Inibições, Sintoma e Angústia. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago.

11 OGDEN, T. (1996). Os Sujeitos da Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo.

 

Artigo 3

Flávio de Oliveira e Souza, psicanalista, membro da SPPA e Membro Pleno do IWBion

 

QUANDO UMA PAREDE CAI, QUANDO UMA PAREDE É RECONSTRUÍDA

Passados mais de quinhentos dias de uma pandemia de magnitude planetária, proponho uma breve reflexão sobre este percurso, desde seu início até os atuais desafios na sociedade e, principalmente, em nossa íntima oficina de trabalho. Ao explodirem os números mortais da pandemia Covid-19 em 2020, nosso lar, lugar caloroso de abrigo, foi progressivamente se convertendo em espaço de confinamento. A cautela sanitária logo virou medo e, eventualmente, fobia e obsessão. A vida num espaço multidimensional ficou reduzida à bidimensionalidade de uma tela. Nossos computadores ou celulares foram convertidos em objetos tesourificados (Gampel) investidos afetivamente pela ameaça da integridade física e mental, uma boia organizadora. Para muitos, a subtração dos espaços, texturas, odores, toques, abraços e mais, levou a uma privação que, na qualidade de trauma, forçou e tem forçado o rompimento da trama mental, interferindo na continuidade do pensamento e na capacidade de representação. De igual forma, a noção de movimento espaço-tempo é achatada, comprometendo a criatividade em direção ao futuro. A desesperança foi reforçada por uma necropolítica que regula o poder pela morte. Assistimos um incremento da regressão social onde emoções intoleráveis são evacuadas formando um ambiente paranoide, fascista e bi polarizado. A fantasia ilusória do controle diante da morte em massa desandou numa simplificação religiosa que nega a ciência e nos conduz de volta ao infantil terraplanismo, revigorando o geocentrismo de 350 a.C. Um drama social desta magnitude afeta a todos nós. A dor compartilhada por analista e paciente e o recurso atendimento on-line nos colocou numa posição de maior simetria na relação psicanalítica. Com o crescimento da ameaça às vidas, a solidariedade passou a ocupar um espaço ímpar. Assim, tivemos que lidar, desde o início, com a queda da parede de nossos consultórios (Puget, 1982). Virtualmente dentro das casas uns dos outros, pacientes e analistas passaram a partilhar as mesmas ansiedades e medos. Somos então forçados a refletir profundamente sobre nossas ferramentas técnicas onde destaco a neutralidade analítica e o setting. A manutenção da qualidade da função terapêutica neste ambiente depende muito da compreensão de que a neutralidade não é um comportamento do analista, é uma atitude. De igual forma, o setting não se reduz a um espaço físico e temporal. Neutralidade e setting residem, fundamentalmente, dentro do analista. O eventual uso defensivo da neutralidade e setting movido por uma evitação do contato com o sofrimento do paciente e não como instrumentos de aprofundamento do contato caem por terra nestas circunstâncias onde a parede do consultório ruiu. Atitude e pensamento psicanalítico, mais do que nunca, são exigidos para mais além dos clichês de conduta da prática psicanalítica. Mas na medida em que a pandemia cede, voltamos a reerguer nossa parede. Assim como as pessoas retornam aos poucos para uma realidade possível, o mesmo ocorre com o atendimento presencial. Mas este “desmame” da internação domiciliar não se dá de modo fácil. Novos desafios surgem. O curso regressivo descrito acima afetou a todos. O medo que nos protegeu não pode se converter numa visão de mundo reduzida à bidimensionalidade de uma tela e polarizações paranoides. Em situações mais graves desencadeadas pelo prolongado isolamento vemos algo equiparado ao hospitalismo descrito por Spitz nos filhos da segunda guerra. Mais além do vigor das angústias fóbico-obsessivas ou paranoides, o confinamento domiciliar de protetor pode se converter em desvitalizante, desinvestindo as demandas e complexidades da vida “lá fora”. Tal qual a depressão anaclítica descrita por Spitz, contato humano, texturas, cheiros, toques e multidimensionalidade são elementos essenciais na cicatrização das feridas pandêmicas para pacientes e analistas. O atendimento on-line foi revelado como um recurso de extremo valor, forçou nossa autenticidade terapêutica ao extremo e segue como um valioso instrumento, mas é preciso compreender a motivação contida na manutenção do atendimento on-line no período pós pandêmico que se aproxima.  Estados regressivos, por vezes invisíveis a todos nós, são tentadores e prometem conforto. Nossa prática profissional não tem que ser fácil ou confortável como um caseiro pijama de pelúcia. É essencialmente complexa, nos exige ouvir os silêncios grávidos de significados, tocar, ver e cheirar as palavras. Temos de reconquistar aos poucos a plenitude de nosso instrumento psicanalítico no novo mundo possível e nos erguermos do mundo achatado em que nos refugiamos com nossos pacientes buscando sobrevivência física e mental.

____________

Gampel, Y. (2014) Yolanda Gampel: psicanálise quando uma bomba cai [Entrevista]. Revista Brasileira de Psicanálise, 48(4), 17-28.

Puget J., Wender L. (1982) Analista e paciente em mundos superpuestos. Psichoanalisis. Vol II(3), 503-532.

Spitz R.N. (1949) Hospitalisme. Revue Française de Psychanalyse. 13-397

 

Artigo 4

Gisele Pereira, Psicóloga, Aluna da Formação Integrada em Psicoterapia Psicanalítica, Editora do Boletim e Membro Associado.

 

A CRIAÇÃO DE CADA ENCONTRO

“O momento é cheio de uma totalidade. Somos alguém envolvido pelas coisas, envolvido pela água, envolvido pelo vento, pelos componentes físicos. O que me prende não é a nomenclatura dos elementos mas o próprio envolvimento. As coisas são assim: encontramos a última palavra, elas se acabam. Quando eu quero me ver livre, expressar tudo que tenho dentro de mim, lanço o quadro e aparece a imagem. Mas a imagem continua sendo um enigma outra vez. Pensamos que tudo apareceu revelado, e de fato revelou-se. Mas também não se revelou: está visível, mas continua o enigma. Eu apenas objetivei em forma o enigma que estava dentro. A interrogação continua. E a resposta não foi dada” (CAMARGO, 1993, p. 32).

No trabalho psicoterapêutico desenvolvido com cada paciente e a cada consulta, múltiplos fenômenos podem surgir e serem observados, tanto os intrapsíquicos concernentes aos conteúdos mentais do espaço psicológico pessoal e a forma de comunicá-los, bem como os de ordem interpessoal, emergidos a partir do encontro de duas pessoas que se reúnem no espaço potencial terapêutico. Tramas constituídas pelas características de personalidade, histórias de vida, maneiras de experimentar os acontecimentos vividos e atribuir ou não significado a eles, são alguns fios enovelados cheios de nós e pontas soltas, que vão sendo colocados em perspectiva na escuta analítica. Além dos enredos psicológicos, cada ser humano possui sua essência e alma exclusiva, inigualáveis no mundo. Mesmo quando existem semelhanças entre os casos, tais como as modalidades de funcionamentos psíquicos, queixas, sintomas, comportamentos e acontecimentos históricos na vida de cada um, a multiplicidade de fatores combinados, incluindo a pessoa do terapeuta, podem formar conjuntos infinitos de possibilidades de encontros, tornando cada par e cada caso clínico único.

Uma série de elementos inéditos podem emergir numa sessão, tornando-a sempre especial e irrepetível. A surpresa do que estava inaudível e oculto, se revela num instante. Gestos genuínos expressados pelo paciente dentro do tempo demarcado pelo enquadre, mas sem restringir seus efeitos a ele, disparam e provocam no terapeuta o aguçar de sua criatividade e imaginação. Sensações, sentimentos, memórias, representações e ligações psíquicas inesperadas são despertadas, servindo como recursos de empatia e meios de compreensão e comunicação, ampliando seu espaço psíquico e também o do paciente, numa alternância entre ser aquele que auxilia na transformação do outro e o próprio transformado. Paralelamente ou entremeado, não se pode deixar de considerar aquilo que é da ordem do sempiterno, do permanentemente instaurado no sujeito e na sua vida e que tende a reaparecer no tratamento. No entanto, quando algo no paciente é metamorfoseado, o resultado logo fica propenso a uma nova cocriação e um possível rearranjo, caso retorne. As variadas vivências na clínica funcionam como estímulos impulsionadores para que o terapeuta siga buscando adensar sua capacidade de viver experiências emocionais geradoras de simbolismo, criatividade e autenticidade. Estes aspectos levantados sobre a clínica que venho experimentando, se somam a decisões técnicas e éticas, tais como a seleção do fato a ser aprofundado junto ao paciente, o tipo de manejo, a intervenção mais adequada, bem como o modo e o momento de fazê-la. Ainda, é necessário fazer a escolha das palavras ditas através das interpretações, assinalamentos, comentários ou questionamentos que contribuem para chegar a compreensão do que é requerido como estratégia terapêutica para as diferentes estruturas e adoecimentos psíquicos.

No intuito de manter um setting revigorado e em desenvolvimento, busco o aprimoramento nos estudos psicanalíticos e em textos literários geradores de satisfação e reflexão. As leituras são fontes de imaginação, conhecimento e elaboração dos conflitos, permanecendo como bagagem para o terapeuta, refletindo num estar junto nas consultas mais enriquecido, respeitoso, verdadeiro e maleável, evitando a saturação da linguagem e permitindo desfrutar da manifestação do novo. Em torno deste assunto, encontro em Ogden (2007, p. 575 apud FIGUEIREDO; COELHO JR., 2018, p. 243), uma abertura teórica para tornar os atendimentos clínicos mais livres, personalizados e criativos, expandindo a imaginação:

“Eu tomo como fundamental para a compreensão da psicanálise a ideia de que o analista precisa inventar a psicanálise de novo com cada paciente… [Isto] é atingido em grande medida por meio de um experimento sempre em andamento, no contexto dos termos de uma situação psicanalítica, na qual analista e paciente criam formas de conversar um com o outro que são singulares a cada par analítico em um dado momento da análise” (OGDEN, 2007, p. 575 apud FIGUEIREDO; COELHO JR., 2018, p. 243).

Ogden ressalta a importância de revitalizar a clínica psicanalítica, através de uma linguagem inovadora e própria, evitando fixações a escolas de pensamentos ou estagnação no jogo transferencial-contratransferencial, limitantes das possibilidades de deixar fluir significados autênticos, oriundos do trabalho analítico:

“Sugiro que o analista deva lutar ativamente com a linguagem no empenho de criar ideias e frases e voz própria para pronunciá-las. A luta para transmitir a própria experiência com palavras, e com voz própria, é grande parte do que constitui estar vivo na relação analítica” (OGDEN, 2013, p. 202).

_________________

Camargo, I. (2003): Gaveta dos Guardados. São Paulo: Cosac Naif, 2009.

Figueiredo, L. C., & Coelho Junior, N. Adoecimentos psíquicos e estratégias de cura: matrizes e modelos em psicanálise. São Paulo, SP: Blucher, 2018.

Ogden, T. H. (1995): Reverie e Interpretação: Captando Algo Humano. São Paulo: Escuta, 2013.

 

Artigo 5

Magda Barbieri Walz, Psicanalista, Fundadora, Presidente do IWBion e Membro do Instituto da SBP de PA

 

UMA NARRATIVA SOBRE O SEGREDO DE LIA

Lia, uma bela menina de cabelos negros e pele morena, chega ao consultório através da preocupação de sua avó: “Seu corpo está tomado de feridas de tanto se coçar! Tudo começou após o nascimento do irmãozinho! Pobre menina!”

Essa versão também recebo da mãe. E Lia, na presença da mãe, conta que sentiu-se “largada” quando o irmão nasceu. “As atenções e todo o amor foram para ele”. Diferente destas palavras, cheias de emoção, Lia apresenta-se silenciosa em nossos encontros. Prefere jogar, modelar, manusear geleca, sem muita interação. Quando faço perguntas diz que está tudo bem e que suas feridas estão melhores. No entanto, veste-se de forma a não deixar suas lesões visíveis.

Meus pensamentos giram em torno da dificuldade em conhecê-la. O mito da Esfinge se apresenta na sala de análise: “Decifra-me ou te devoro”. A Esfinge é um ser mitológico com corpo de leão e cabeça de mulher, dona de todas as verdades.

Através da mãe recebo informações que Lia não consegue adaptar-se, não aceita o irmão, não vai bem na escola, não faz os temas e cria intrigas com as colegas, provocadas por mentiras. Em entrevista com a professora compreendo que Lia não quer aprender, resiste as informações sobre novos temas e aprendizagem. Segue assim a mesma versão da família. Sua pele demostra sua dor que não é invisível, apesar de estarem ocultas aos meus olhos. Após alguns meses, segue minha pergunta: quem é Lia? Decido apresentar a ela um jogo enigmático: o Jogo da Senha. Mostra-se interessada e participativa com esta novidade.

Após alguns convites o pai aceita participar do trabalho e vem conversar, acompanhado da mãe e do irmãozinho. Ao recebê-lo sou tomada por uma surpresa: um pai e um irmão loiros e de olhos verdes?! A princípio isso não decifra nada! Mas tentei imaginar o que Lia pensou ao “perceber” esta diferença. E talvez ela tenha feito esta mesma pergunta: “este é meu pai?” Aqui pode estar sendo revelado um segredo ou uma verdade. O problema de Lia talvez não seja o ciúme do irmão ou a adaptação a realidade e sim o enigma de que seu pai não seja seu pai!

Quando ouvimos uma narrativa é preciso ter em mente que ela pode ser esfíngica, uma fala que confunde. Nesta situação, a versão da família e da escola é: Lia não aceita à realidade.

Quando a realidade é assim narrada e interpretada de maneira esfíngica, a verdade não pode ser conhecida, a vida não pode ser ampliada e o sintoma fica desesperador.

 

Artigo 6

Roberta Lopes Rodrigues, Psicóloga

MULHERES MENINAS – PACIENTES COM DIFICULDADE DE DESCONECTAR DE SUAS “MÃES” PARA SEREM MÃES. 

 

A dinâmica de convivência familiar e sua base no núcleo desta entidade, em geral contêm nuances importantes no desenvolvimento psíquico de algumas pacientes que chegam para atendimento, até nós psicólogos.

Pensando nas pacientes que trazem questões que em princípio parecem ser apenas sobre os filhos, muitas vezes, se acaba por trabalhar questões profundas delas próprias, isto é, na substância de sua maturidade ainda pouco desenvolvida para lidar com os desafios da maternidade, neste caso específico.

De forma geral, na lição de Winnicott, ao trabalhar a maturidade com vistas à capacidade de estar só, há pacientes que nos trazem a problemática de não ter vivenciado na relação com suas mães, a chamada “maternidade suficientemente boa” e, por consequência disto, seu Processo de Personalização restou prejudicado.

Geralmente, nestes casos, as analisandas apresentam relatos de abandono e dificuldades pelas quais suas mães passaram para tomar conta delas sozinhas, ficando muitas vezes sem o apoio do pai que poderia ter sido um suporte físico e emocional importante no momento da geração de uma vida. Em alguns casos, as filhas vieram a conhecer a figura paterna somente na adultez. Portanto, tiveram quase que exclusivamente, suas mães como única referência, vivenciando com elas, extrema fusão, o que não significou o suprimento satisfatório das necessidades básicas de afeto. Os percalços da função materna entre as pacientes e suas mães, repercutiram posteriormente de forma mais significativa, quando na relação com suas próprias filhas, depararam-se com complicações de difícil manejo.

O panorama observado nos casos em discussão, revela que cada história possui uma versão particular, no entanto, pode-se selecionar elementos que, levados em considerando, apontam para questões interpessoal em comum, referentes ao período de desenvolvimento emocional, anterior ao estágio do Édipo, onde se presume a construção da maturidade do ego e, por consequência, o desenvolvimento da capacidade de estar só, ainda que acompanhado. Neste sentido, é possível inferir, que num período tão complexo, podem ter ocorrido falhas importantes, enquanto se dava a constituição primordial do ego, tendo efeitos no amadurecimento psíquico.

Este se tornam pontos importantes da história de muitas pacientes e tal percepção se dá não apenas por estas vivências, mas também pelo funcionamento das pacientes, principalmente com relação aos filhos que por ventura venham a gerar.

No mesmo sentido, a concepção de estar só ou mesmo à capacidade para tanto, precisa advir da assertiva “eu sou”, considerando a existência de uma mãe disponível, mas que oportunize a criança a degustação, o prazer de estar só por alguns momentos. Desta forma, é possível deduzir que as disfunções apresentadas por algumas pacientes em sua idade adulta, remontam a resquícios desta ordem, se considerarmos o relacionamento difícil, fusionado, complexo que trazem para a sessão, todos relacionados à dinâmica com seus filhos.

Em certos momentos é possível perceber que estas mães agem com as filhas ou filhos como se fossem parte de si, trazendo relatos de forma lúdica e relatando sentirem-se “grudadas” a estes filhos, numa situação muito complicada de resolver. Em verdade neste ponto descrevem suas questões mais íntimas, algo de um tempo em que nem elas são capazes de lembrar.

Em razão disso, muitas destas pacientes nunca relaxam, nunca descansam, não se permitem desocupar para então observar a enorme quantidade de coisas além de si que trazem em seu interior, mas claro, sempre com a ilusão de que sua desenvoltura ágil é muito necessária para a sobrevivência daqueles que estão ao seu redor. Em razão disso não apresentam capacidade de dispensar a presença real da figura materna, costumam relatar continuamente: “Não consigo cortar o cordão umbilical com minha mãe”(sic).

Ao se tratar de dependência, ainda na lição de Winnicott, de alguma forma é possível dizer que pacientes com tal funcionamento se aproximam daquilo que o autor traça como Dependência Relativa, onde se fala na percepção do lactente da necessidade do cuidado. A partir daí tudo segue Rumo à Independência, onde provavelmente se encontre uma das mais importantes falhas no desenvolvimento destas pacientes, pois se considerarmos sua visão de que “todos” dependem de si, podemos entender então que em verdade a maior “dependência” está nas pacientes, talvez por não terem introjetado os anteriormente citados detalhes do cuidado, o que resulta em um desenvolvimento da confiança do meio deficitário, pois esta confiança estaria intimamente ligada à dependência.

Para Winnicott, Holding engloba não somente a segurança física, mas também ambiental, está ligado àquilo que se entende de “viver com”, da relação do lactente com sua mãe e de sua percepção de si e dos objetos externos. Porém, isto conta também a relação paterna a qual é em muitos casos faltante às pacientes que trazem este tipo de histórico. Pode-se dizer então que tais pacientes, desde a fase mais arcaica de não-integração ou de Dependência Absoluta e durante o desenvolvimento das outras fases até se tornarem um ser integrado com vistas à algo análogo à independência, estiveram sem seu pai, vindo a estar com ele somente na adultez. Com certeza, algo deste pai faltante acompanhou estas pacientes em seu desenvolvimento, mas provavelmente numa versão distorcida da realidade, pois não era a sua visão e sim a de sua mãe. Por certo, a ideia da mãe que fantasia um pai para um bebê, poderia ter ajudado, porém em muitos casos, isso não ocorre com tranquilidade, pois as mães de muitas das pacientes guardam muito mágoa de seu ex-companheiro.

De fato, a independência emocional de pacientes que assim funcionam, parece estar intimamente ligada às questões que vivenciaram com suas mães, mas também com o que apresentam suas filhas ou filhos, em plena adolescência. Torna-se cada vez mais claro que a capacidade destas mães para ter sua vida de forma livre de uma mãe sempre presente, se relaciona com suas vivências infantis, mas também com as de adolescente. Reviver este período em razão de seus filhos e consequentemente precisar digerir que estes buscam a verdadeira independência que lhes é de direito, é algo muito complicado para elas, pois ainda não reúnem condições de se “desgrudar” de sua mãe.

Interessante pensar no fato de que podem ter assim criado uma atmosfera de suposta adultez independente, onde todos que a circundam se tornam dependentes dela, pois assim reforçam o falso controle que mantém em relação a estas pessoas, mas principalmente em relação a si próprias.

Como pano de fundo desta situação se pode considerar aspectos orais importantes que estariam interligados com a lição de Winnicott quando descreve a Incorporação em sua obra. Na fase mais primitiva do amadurecimento do bebê, a mãe é para criança um objeto subjetivo que se perfaz naquele ser que é capaz de lhe dispensar os cuidados básicos.

A Incorporação para o bebê é consequência de coisas que ele pode absorver, assimilando as experiências do cuidado ambiental, da acolhida da mãe em relação a ele. Esta situação pode ser descrita como na experiência da amamentação, onde comer é o primordial. Seria então, algo muito além da incorporação de um “seio bom”, pois se trata da incorporação de uma série de cuidados muito íntimos desta mãe para com este bebê. Neste sentido, o funcionamento destas pacientes é por momentos muito oral, voraz e até mesmo sádico.

 

De fato, estas demonstrações destas pacientes acabam por sinalizar falhas descritas na fase de incorporação e com probabilidade de não ter incorporado partes destas experiências com suas mães. Aquilo vivenciado hoje em suas dificuldades de independência de suas mães parece direcionar para falhas no desenvolvimento de sua capacidade de concernimento, pois, se ao contrário fosse, se tudo tivesse corrido de forma mais tranquila, havendo uma mãe real cada vez menos presente, o mundo interno de tais pacientes funcionaria mais adaptado.

As impressões que estas pacientes demonstram em sessão relatam algumas vezes um tipo de transferência negativa, principalmente no sentido de sua resistência, da força que costumam agir para que não haja progresso em seu tratamento. Por muitas vezes o terapeuta é transformado no algoz, pois se sabe que por precisar estar em contato com aquilo que o paciente não gostaria de mexer profundamente, passa desta forma a ser então do time das coisas que não podem ser vistas, na fantasia do paciente.

Acredito que o mais importante seja estar ali, em sessão, talvez com a expectativa de proporcionar uma sensível ideia de manejo ou manutenção das falhas no Processo de Personalização que as pacientes demonstram. E como nosso trabalha gira também em torno de intuição, retomo o momento que uma paciente,  que no auge de sua dependência emocional tentou me acessar por mensagens no whatsapp. Respondi com uma música, de Matt Simons, cujo nome é Catch and Release:

 

Pegar e Soltar

 “Há um lugar que eu vou
Onde ninguém me conhece
Não é solitário
É uma coisa necessária
É um lugar que eu inventei
Descobrir o que eu sou feito
As noites que fiquei acordado
Contando estrelas e lutando contra o sono


Deixe-a lavar sobre mim
Pronto para perder meus pés
Leve-me para o lugar onde se revela o mistério da vida
Firme em baixo da linha
Perder toda a noção do tempo
Pegar tudo e despertar aquela pequena parte de mim
dia-a-dia eu sou cego para ver
E descobrir o quão longe Ir


Todo mundo tem sua razão
Todo mundo tem seu caminho
Estamos apenas pegando e soltando
O que se acumula ao longo do dia


Isto entra em seu corpo
E ela flui através de seu sangue
Podemos dizer segredos uns aos outros
E nos lembrar de como amar…”

 

_________________

DIAS, Elsa Oliveira –  Incorporação e introjeção em Winnicott –  Winnicott E-prints Série 2, vol. 2, nº 2, 2007 p. 22

Winnicott, D. W. (1954a). A mente e sua relação com o psique-soma. In1958a.

Winnicott, D. W. (1958g). A capacidade para estar só. In (W9): 1965b.

Winnicott, D. W. Os bebês e suas mães. Martins Fontes: 1999

Winnicott, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre, Artmed, 1983

__________________________________

4_MEMÓRIAS DO FUTURO

EVENTOS DO I. W. BION DE JANEIRO A DEZEMBRO DE 2021

JANEIRO

12/01: CURSO DE VERÃO: MANOEL DE BARROS E A ESCUTA DAS IGNORÂNCIAS (COM RENATA LISBÔA).

20/01: BOLETIM VIRTUAL CESURA (COM DR. JULIO CESAR WALZ)

MARÇO

08/03: SUPERVISÃO COLETIVA: COM ANA CLAÚDIA MORAES E VERÔNICA CRISTIANE FERREIRA.

18/03: AULA INAUGURAL: O SER PSICOTERAPEUTA UM MUNDO EM DECOMPOSIÇÃO (COM CESAR ANTUNES).

ABRIL

10/04: CAFÉ PSICANALÍTICO: O BRINCAR MODE ON: A VISÃO DA PSICANÁLISE SOB A TERAPIA INFANTIL ONLINE (COM FABIANA GIGUER E MAGDA WALZ)

12/04: SUPERVISÃO COLETIVA: COM CYNTHIA ANTUNES E MÁRCIA VARGAS ABITANTE.

15/04: REUNIÃO CIENTÍFICA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO ESPECTRAL NARCISISMO/ SOCIAL-ISMO (COM ARNALDO CHUTER)

29/04: PUBLICA AÇÃO: BRINCANDO DE PENSAR: ENCONTRO EM TORNO DO LIVRO MELANIE KLEIN (COM CELSO GUTFREIND)

MAIO

10/05: SUPERVISÃO COLETIVA: COM CLÁUDIA CARDOSO DOS SANTOS E DENISE OYARZABAL

20/05: REUNIÃO CIENTÍFICA: MATERNIDAD: FICCIÓN – REALIDAD Y FUNCIÓN (COM HILDA BOTERO)

27/05: PUBLICA AÇÃO: A IDEOLOGIA LITERÁRIA DA COR (COM LUIZ MAURICIO AZEVEDO)

29/05: CAFÉ PSICANALÍTICO: ADOLESCER ONLINE: O OLHAR DA PSICANÁLISE SOBRE A TERAPIA COM ADOLESCENTES (COM PRISCILA VEIGAS KERCHER E VANESSA BECKENKAMP LÓPEZ)

JUNHO

14/06: SUPERVISÃO COLETIVA: COM CÍNTIA PERES PAES E ADRIANA CASTOLDI

17/06: REUNIÃO CIENTÍFICA: MEMÓRIA, DESEJO, NARCISISMO (COM ALE ESCLAPES)

19/06: JANELAS PARA O MERCADO (COM CLAUDIA CARDOSO DOS SANTOS, MARTA ECHENIQUE E GABRIELA BAPTISTA)

24/06: ENCONTROS COM BION: ENTRE LUZ E SOMBRA: CONJECTURAS SOBRE A MENTE PRIMORDIAL (COM GISELE DE MATTOS BRITO)

JULHO

10/07: CAFÉ PSICANALÍTICO: O CONECTAR-SE DA PSICOTERAPIA ONLINE COM ADULTOS: VÍNCULOS, POSSIBILIDADES E AFETOS (COM TADIELA LÓDEA RODRIGUES E CÍCERO ANTUNES)

12/07: SUPERVISÃO COLETIVA CLÍNICO LITERÁRIA

15/07: SEMINÁRIO COM ARNALDO CHUSTER: O SER HUMANO VAI EVOLUIR?

22/07: ENCONTROS COM BION: FRAMEWORK: ÁREAS DE VIBRÂNCIA (COM LEANDRO STITZMAN)

AGOSTO

05/08: PUBLICA AÇÃO: A BUSCA DA FELICIDADE (COM RAQUEL ALVES)

09/08: SUPERVISÃO COLETIVA: COM MAGDA BARBIERI WALZ E GISELE PEREIRA

12/08: SEMIINÁRIO COM ARNALDO CHUSTER: ESTAMOS MANTENDO OU PERDENDO A INTUIÇÃO QUE FREUD NOS LEGOU?

19/08: REUNIÃO CIENTÍFICA: TRANSFORMAÇÕES NA FUNÇÃO PATERNA (COM ABRÃO SLAVUTZKY)

26/08: ENCONTROS COM BION: DA PAUTA AO IMPROVISO – NOTAS SOBRE A MEMÓRIA E DESEJO (COM LUIZ ALBERTO PY)

Postagens Recomendadas

Deixe um Comentário